Leia Mateus 5: 1- 12; Marcos 3: 13; Lucas 6: 12- 13, 20-26
Apenas Mateus cita com detalhes essa passagem. O chamado Sermão do Monte é o primeiro dos cinco grandes discursos de Jesus registrado com detalhes abarcando diversos temas. Em Mateus ocupa quase três capítulos.
Trata principalmente da ética do reino de Deus. Temos formas de entende-lo que divergem bastante.
1. Absolutamente literal – Era como a igreja primitiva entendeu em princípio mas que seria dirigido apenas a uma classe especial de pessoas com vida monástica.
2. Legalista mas temporal – Entendimento dos Anabatistas mas como temporário similar a lei de Moisés.
3. Não literal - Jesus estava mais preocupado com a disposição interior do que com a conduta exterior, ou que a severidade do Sermão intentava compelir quaisquer ouvintes a uma decisão a favor ou contra as exigências de Deus sobre suas vidas.
Essa terceira é a que nos parece mais adequada considerando todo o ministério de Jesus e é a linha que adotaremos.
O Sermão é dirigido aos seus discípulos e por conseguinte a toda a igreja hoje. O sermão enfoca a motivação interior mas como qualquer ensinamento bíblico deve se manifestar na conduta exterior[1].
Uma coisa que temos de ter em mente quando estudamos Mateus é que este evangelho foi escrito para leitura de Judeus originalmente com o principal objetivo de apresentar Jesus como o autêntico Rei do Reino estabelecido conforme as profecias do Antigo Testamento. Mateus faz questão de apresentar a excelsa realeza de Jesus, o Cristo de Deus, e sua autoridade. Entre outras coisas apresenta Jesus cumprindo os requisitos que Ele mesmo prega e que estão em acordo com tudo que havia sido profetizado.[2]
1. Jesus cumpre a Lei, inclusive a cerimonial.[3]
2. Jesus cumpre todas as predições dos profetas.[4]
João o Batista veio como o arauto para anunciar a vinda do rei e seu reino, Jesus veio como esse rei para anunciar a vinda do seu reino.[5] É muito comum ouvir de teólogos a expressão “já” e “ainda não” sobre o reino. Querem dizer que embora o reino já tenha vindo em Jesus Cristo, sua plena manifestação acontecerá no futuro.
“Ao lhe sujeitar todas as coisas, nada deixou que não lhe estivesse sujeito. Agora, porém, ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas”. Portanto, embora Jesus diga que “chegou a vocês o reino de Deus”[6]
“Venha o teu reino”.[7]
Outra coisa é que o reino também tem uma íntima relação com a comunidade do pacto. Quando Jesus fala sobre edificar sua “igreja”, ele também se refere às “chaves do reino”[8] e Isso explica como alguns dos “súditos do reino serão lançados para fora”[9] ou seja embora os judeus fossem os membros naturais do reino, tendo nascido na comunidade do pacto de Deus, por causa da incredulidade deles, foram lançados foram, e Deus tirou o reino deles e deu aos gentios.[10]
O sermão trata de forma bem objetiva sobre vida, e que tipo de vida vale a pena. O conceito de bem aventurado é associado a uma vida plena e feliz, não uma vida abastada, mas sim uma vida que seja uma referência de qualidade e integridade. O resumo termina com a declaração de que todos os que ouvem e fazem o que ele diz terão uma vida que tudo suporta – ou seja, uma vida para a eternidade, pois já está no eterno.[11]
Quando tratamos de vida existem dois aspectos importantes do ponto de vista bíblico.
A) Qual vida é digna? O que é meu interesse e como posso alcançar o verdadeiro bem-estar?
Sabemos que do ponto de vista bíblico a vida pautada nos princípios divinos é a vida que será digna, a afirmação acerca da imediata disponibilidade e efeito do reino compreende essa verdade. Mas qual seriam esses princípios? Quem pode estar plenamente convicto de ter essa vida? As Bem-aventuranças nos dão respostas para essas questões.
B) Quem é verdadeiramente bom? Quem é que tem o tipo de bondade conforme encontramos em Deus?
Essa questão é abordada no restante do sermão e vamos abordar nos próximos artigos.
AS BEM AVENTURANÇAS
Não é incomum que comentaristas e professores bíblicos interpretem “bem-aventurados” como significando “felizes”. A palavra grega traduzida como “bem-aventurado” é makarios, e embora “feliz” seja uma das formas de interpretá-la, no contexto mais amplo das bem-aventuranças, feliz parece não se adequar. De um lado, ser feliz é um estado emocional subjetivo e certamente no versículo 11 ser injuriado e perseguido não combina com tal estado. Além disso, interpretar makarios como feliz leva ao erro de ver as bem-aventuranças como uma série de exortações sobre como ser feliz, o que não parecer ser o que Jesus está fazendo aqui.
Pelo contrário, as bem-aventuranças são uma série de declarações proféticas sobre o que Deus concede àqueles que ele recebe em seu reino.
Essa passagem é uma daquelas que se aprendem, ou pelo menos nos ensinam, logo no início da caminhada no Evangelho, similar ao Salmo 23, o Pai Nosso, os Dez Mandamentos, João 3:16, os textos do Livro sem Palavras etc. Quase todos as reconhecem quando não as sabem de cor e salteado como diziam antigamente.
Muitos as tem penduradas nas paredes em quadros, mas a questão que importa mesmo é como devemos viver em conformidade com esses preceitos? Não podemos perder de foco que a literalidade e rigidez de interpretação delas pode levar a uma ideia de impossibilidade de sermos cidadãos do reino, transformando a benção em uma maldição. Será que é isso que devemos fazer com as Bem-aventuranças? Não nos parece à luz da Palavra que sejam elas um manual de regras para implementação de forma rígida.
O contexto é bem importante para um bom entendimento. Jesus em diversos momentos faz a confrontação entre a religiosidade da época com ênfase em ritos e cerimônias com uma religiosidade profunda baseada no íntimo e nas reais motivações das pessoas.
Os humildes de Espírito
Muitas vezes mal interpretado apontando para o conceito de humildade humana, relacionadas a abrir mão de riqueza ou reconhecimento, essa bem aventurança em verdade aponta para a ideia de necessidade de preenchimento por Deus.
Bem aventurado é que entende que é pobre e que só pode ser enriquecido pelo próprio Cristo. Feliz não é aquele que tem, mas sim aquele que sabe que não possui coisa alguma e se enxerga como alguém pobre. Devido a essa condição, ele é humilde e não exige coisa alguma, porque se coloca em uma posição de humilhação.
O prêmio para o coração humilde é a salvação, o reino dos céus. Os ricos de espírito buscam o seu próprio reino, a satisfação de seus próprios anseios...e estão com as mãos cheias demais. Já os pobres têm as mãos vazias e, por isso, podem receber o reino dos céus, onde a vontade que prevalece é a de Deus, e não a dos homens. Eles não têm exigências, por isso podem receber livremente o que o Senhor tem a oferecer
Os que choram
Lucas se refere como os que agora chorais. Seriam homens e mulheres abandonados pelos companheiros, um pai corroído pela angústia e pela depressão causada pela morte da filha pequena; pessoas que, já consideradas “velhas” pelo mercado de trabalho, perderam o emprego, o negócio ou as economias por conta do “esfriamento da atividade econômica” ou da política de renovação da empresa na qual investiram a própria vida. São tantas as coisas que nos cortam o coração! Mas quando vêem o reino em Jesus, quando entram nele e aprendem a viver nele, então encontram consolo e as suas lágrimas se fazem riso. Sim, então ficam ainda em melhor situação do que antes da catástrofe.
Os mansos
Os traços de caráter apresentados nas bem-aventuranças não são o que nosso estado decaído deseja. Esse certamente é o caso em Mateus 5.5: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.” A ideia de ganhar o mundo, seja como indíviduo ou nação, é tão antiga quanto a história humana, e o espírito dos construtores da torre de Babel reverbera em todos esses esforços: “Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome”[12] Esse parece ser o objetivo da humanidade caída, tanto individual quanto coletivo: tornar célebre o nosso nome através de acumulação, realização ou da expansão das nossas fronteiras. E quando essas coisas são as buscas que definem uma pessoa ou povo, o caráter que define essa pessoa ou povo se inclina na direção da avareza e arrogância.
Parece-nos apropriado interpretar aqui o próximo item, ou seja, a mansidão, como sendo a gentileza uns para com os outros e para com todos os homens, principalmente se levarmos em consideração o contexto precedente, o qual fala das dissensões em suas várias manifestações[13]. Esta virtude também nos faz lembrar de Cristo[14]. A mansidão é o oposto extremo da veemência, da violência e da agressividade ou explosões de ira.
Os com fome e sede de justiça
Nos textos bíblicos a justiça está ligada diretamente as ações e julgamento divinos, o momento em que Deus julgará a humanidade, premiando os que foram aprovados por Ele (justos) e condenando os que O rejeitaram. Ter fome e sede de justiça é ansiar pela aprovação de Deus e pelo momento em que aqueles que não se arrependeram de suas maldades forem punidos. É desejar que, enfim, o mundo seja como deveria ser, um lugar onde a vontade do Pai é feita da mesma forma como ela é feita no céu.
E essa fome e sede serão saciadas. Nesta vida, especialmente aqui no Brasil, nós nos frustramos duas vezes. Uma porque, por mais que tentemos, sabemos que não somos perfeitos e que muitas vezes nós merecemos ser castigados. Outra porque muitas vezes os injustos são premiados e os bons são punidos. Mas o feliz sabe que Deus o tornará perfeito e que um dia a justiça será feita.
Os misericordiosos
Ninguém é uma ilha em si mesmo. Cada um é uma porção do continente, uma parte do oceano.[15] Ter misericórdia é por o coração na miséria do outro. Vai além daquela pena que sentimos quando vemos o mal diante de nós, o misericordioso é aquele que vai e faz alguma coisa para promover o bem-estar do outro. Ele se reconhece nos sofrimentos alheios e luta para ajudar o seu semelhante. Após se reconhecer como humilde, chorar, revestir-se da mansidão e ter fome e sede de justiça, o feliz age para levar a bem-aventurança a outros.
Ao fazer isso, o bem-aventurado apenas retribui o que Jesus faz por ele, todos os dias. Cristo tornou-se homem, veio ao mundo, sofreu ao nosso lado e morreu na cruz para nos retirar de nossa miséria.[16]
Os limpos de coração
O bem-aventurado é alguém que teve a sua visão transformada e percebeu o que é mais importante. Ele já não quer mais realizar os seus desejos pecaminosos porque ele busca a vontade de Deus. Por conta disso, ele tem o melhor prêmio de todos.
Você já ficou feliz por ver uma paisagem deslumbrante? Ou então por poder contemplar calmamente a pessoa amada, ou um filho? Tudo isso é muito bom. Agora imagine ver o Deus vivo com os Seus próprios olhos! Você pode não acreditar, mas essa seria a melhor de todas as visões.
Os pacificadores
Feliz não é aquele que tem paz, é aquele que promove a paz. Não é o pacífico que não arranja confusão, é o pacificador, que faz com que os ânimos se acalmem e o conflito chegue a um final justo. Esse será chamado de filho de Deus, porque faz o mesmo que Ele. Afinal, antes de Jesus os judeus sequer comiam com os não-judeus (gentios). Mas, em Cristo, judeus e gentios se unem para cultuar e servir ao mesmo Deus e ainda se chamam de irmãos. Os inimigos de outrora tornaram-se irmãos graças a obra do verdadeiro Pacificador.
Os perseguidos por causa da justiça
Nós gostamos das bem-aventuranças até a hora que Deus começa a mexer demais na nossa vida. O quê? Admitir que a forma como encaro a minha sexualidade é injusta e precisa ser limpa pelo Senhor? Reconhecer que sou um miserável e que dependo de Deus pra tudo? Nós nos tornamos perseguidores de Cristo. Dizemos adorá-Lo ou respeitá-Lo, mas reclamamos d'Ele. Falamos mal das leis d'Ele...e d'Ele mesmo. E o mesmo acontece com aqueles que levam adiante a obra de Cristo e vivem de acordo com as bem-aventuranças. Alguns até mesmo são mortos...da mesma forma como Cristo foi assassinado.
Tudo isso mostra que, na verdade, nós sequer sabemos o que é mesmo felicidade. Ser feliz é ser como Jesus, é andar no exemplo d'Ele, ouvindo-O e deixando que Ele dirija a nossa vida. É ser como os profetas que buscaram tanto ser como Cristo que acabaram sendo perseguidos como Ele foi.
As Bem-aventuranças simplesmente não podem ser uma “boa nova” se forem compreendidas como uma série de instruções para que a pessoa alcance a felicidade. Nesse caso não passariam de um novo Legalismo. Não serviriam para abrir as portas do reino – muito pelo contrário. Imporiam um novo tipo de farisaísmo, uma nova forma de fechar a porta – e também novas possibilidades, e bem gratificantes, para a engenharia humana da retidão.
[1] Mateus 5.21-22,27-28; 15:48
[2] Mateus 4:23-25
[3] Mateus 3:14,15; 4:1-11
[4] Mateus 4:12-16
[5] Mateus 4:17, 23; 5:3,10; 8:11; Lucas 3:28
[6] Hebreus 2:8
[7] Mateus 6:10; 2ª Timóteo 4:1.
[8] Mateus 16:18-19.
[9] Mateus 8:12
[10] Mateus 21:43.
[11] Mateus 7.24-25.
[12] Genesis 11.4
[13] Versículos. 20 e 21). Cf. 1 Coríntios 4:21
[14] Mateus 11:29; e 2 Coríntios 10:1
[15] John Gregory Dunne
[16] Isaías 53:4-5
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