Leia Lucas 3; Mateus 3; Marcos 1:1-11; João 1:6-34
Temos nesses textos a descrição do ministério de João Batista de quem já tratamos em artigo anterior, do testemunho que João Batista dá a respeito de Jesus e do batismo de Jesus propriamente dito. Esse ato de batismo é uma fato marcante de autenticação e autoridade do ministério de Jesus. O relato entre os quatro evangelhos difere muito pouco, alguns são mais detalhistas do que os outros mas não há nenhuma diferença que possa gerar grandes polêmicas.
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A Pregação de João Batista |
O Testemunho de João |
O Batismo de Jesus |
Mateus |
· Pregava no deserto. · Pregava o arrependimento os pecados. · Anunciava a proximidade da instalação do reino dos céus. · Era o precursor do Senhor. · Usava vestes com pelos de camelo e cinto de couro. · Se alimentava de gafanhotos e mel. · Batiza seus seguidores pela confissão dospecados. · Combatia a hipocrisia de seitas religiosas da época e cobrava deles uma vida frutífera. |
· O batismo de Jesus será com o Espírito Santo e não mais com água. · Jesus ajuntará os seus e separará da palha que será queimada.
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· Se encontraram no Jordão. · João se recusou inicialmente a batizar Jesus, por vele naquele o Senhor. · Jesus indica que precisa ser assim para cumprimento da Lei. · Surgiu uma teofania do Espírito Santo de Deus como num formato de uma pomba. · É anunciado por uma voz a declaração de filiação de Jesus: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”. |
Marcos |
· Precursor de Jesus. · Pregava o arrependimento; · Pregava no deserto; · Pregava o arrependimento dos pecados; · Usava roupas de pelo de camelo ecinto de couro; · Se alimentava de gafanhotos e mel. |
· Aquele que o substituirá, Jesus, será mais poderoso do que ele e muito mais digno; · Ele batizará com o Espírito Santo. |
· Se encontraram no Jordão; · O Espírito desce no formato de pomba; · Uma voz declara: “Tu és o meu filho amado em quem me comprazo” |
Lucas |
· Precursor de Cristo; · Prega o arrependimento; · Condena os religiosos hipócritas que o procuravam. · Anuncia o juízo do Senhor. · Orienta alguns grupos especificamente a andarem corretamente. |
· Nega ser ele o próprio Cristo. · Anuncia que Jesus batizará com o Espírito e não mais com água. · Reitera a sua posição de humildade e submissão a Jesus. · Anuncia que Jesus recolherá os seus e queimará a palha. · Despertou a ira de Herodes o Tetrarca por conta da repreensão que ele fez sobre o incesto com Herodias. |
· Se encontraram no Jordão; · O Espírito desce no formato de pomba; · Uma voz declara: “Tu és o meu filho amado em quem me comprazo” |
João |
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· Nega ser ele o Cristo. · Nega ser Elias. · Nega ser profeta. · Anuncia que o próximo, Jesus, batizará com o Espírito. · Reafirma sua humildade diante de Cristo. · Anuncia que Jesus é o “Cordeiro que tira o pecado do mundo”. · Anuncia a primazia de Jesus. |
· Viu a pomba descer sobre Jesus e o batizou. · Testificou que ele era o Filho de Deus. |
As maiores diferenças e dificuldades são:
1. João não relata o ministério de forma destacada do testemunho de João Batista como os outros três, mas em essência traz as mesmas verdades.
2. João traz o relato com a ideia de que o encontro de João Batista e Jesus aconteceu ao longo de algum tempo, com repetidos testemunhos de João Batista sobre Jesus, enquanto os demais dão uma ideia de continuidade e maior rapidez nesse encontro até o batismo. Isso não representa qualquer dificuldade de harmonização visto que os relatos se preocupam em contar a história apresentando os conceitos e princípios e não os detalhes cronológicos.
3. Mateus apresenta a frase sobre Jesus proferida por Deus como sendo dirigida ao público que assistia enquanto Marcos e Lucas a apresentam como se ela se dirigisse ao próprio Cristo, já João apenas cita que foi testificada a filiação. Não há igualmente qualquer importância nessas diferenças, o fundamental aqui é entender que Jesus, foi declarado O Cristo, Filho de Deus.
4. A citação de Herodes o Tetrarca. Muitos confundem esse Herodes, que pode muito bem ser um título honorífico, com o Herodes do nascimento de Jesus. Não o é, esse é filho daquele.
Alguns pontos que podemos enfatizar nesses textos.
1. A humildade de João Batista – Os quatro evangelhos enfatizam a posição inferior com toda humildade de João Batista em relação a Jesus. Nas escolas rabínicas era comum que os alunos pagassem seus estudos através de prestação de serviços ao mestre. Note-se que o ato de desatar as sandálias na cultura judaica era um serviço dos mais humilhantes, os servos tinham que se abaixar e ter contato com os pés sujos de seus mestres. João Batista diz que não é digno sequer de desatar as sandálias de Jesus.
2. A confirmação da profecia – Nos evangelhos sinóticos há a citação clara de que a pregação e ministério de João Batista no deserto é o cumprimento da profecia de Isaías sobre a voz que clama no deserto, conforme Isaías 40. Muito importante notar que toda a pregação de João era focada na necessidade de que todos reconhecessem sua condição de pecado e restaurassem suas vidas trilhando pelo bom caminho.
3. As negações de João – João Batista é arguido três vezes sobre quem ele seria e nega-o três vezes.
a. Primeiro lhe é perguntado se ele é o próprio Cristo;
b. Segundo lhe é perguntado se é Elias. Cabe aqui uma explicação antes que alguém possa pensar que no contexto bíblico havia crença em reencarnação. Não, nenhuma das correntes religiosos judaicas defendia esse conceito. Precisamos de cara lembrar que Elias não morreu, logo na cabeça dos judeus que acreditavam que João seria Elias poderia haver uma aparição dele. Havia uma confusão entre os Judeus sobre a profecia do novo Elias[1] que foi entendido por muitos como o próprio Elias e não da forma correta que tinha a ver com o ministério a ser desempenhado.
c. Por fim lhe é perguntado se é profeta. Aqui há uma certa dificuldade posto que de fato João Batista era profeta conforme previsto no Antigo Testamento e afirmado pelo próprio Jesus durante seu ministério. No entanto nos parece que haveria algum sentido mais específico nesta condição de profeta que fora apresentada como pergunta a João.[2] Possivelmente em consonância com a promessa que Deus daria profetas a Israel que guiassem o povo como fez Moisés culminando no Profeta final, Jesus.
Batismo nas Leis Cerimoniais
Falando sobre os batismos das Leis cerimoniais da Antiga Aliança, diz: “O rito de lavar com água simbolizando a purificação religiosa, ou consagração a Deus, era usado pelos israelitas com muita frequência, conforme as prescrições legais”.[3]
Com toda certeza, estas purificações estavam em vigor nos dia de João Batista e de nosso Senhor Jesus Cristo, tanto pelos sacerdotes como pelos presbíteros, neste caso, recebendo alcunha de a Tradição dos Anciãos.[4]
Além das purificações dos sacerdotes, da emissão do sêmen no homem, por poluções noturnas ou das relações sexuais, menstruações e doenças que sangravam, tinha também a questão dos leprosos, dos que tocavam animais mortos, etc. Tudo isso era considerado pecado, carente de purificações com água e, às vezes, também com o sangue.[5]
A água e o sangue foram entendidos como elementos purificadores que apontavam para a purificação única que se daria em Cristo e no batismo na Nova Aliança.
A reforma falada em Hebreus 9.10, veio com Cristo, não com João Batista. Se tivesse de haver mudanças nos ritos de purificações, ou seja, nas abluções, não seria com João Batista, e sim com Cristo. Quer dizer, se até João Batista, o sistema de batismo ainda era na forma antiga, João não batiza submergindo as pessoas, deitando-a debaixo das águas do rio Jordão, ou onde quer que estivesse a batizar, tendo em vista caracterizar morte, sepultamento e ressurreição, coisas misteriosas até para os próprios discípulos de Cristo, mesmo depois do fato consumado. João com certeza, mesmo dentro do rio, ou onde quer que estivesse, usou o modo ordenado por Deus na Lei, que era o da aspersão.
Os elementos das diversas abluções, ou seja, dos batismos eram usados conforme mostraremos a seguir:
· Salpicando ou aspergindo o sangue com o dedo (Lv 4:6; 16:14);
· Aspergindo sangue ou água com o hissopo (Ex 12:22; Nm 19:13, 18; Sl 51:7);
· Derramando, em forma de afusão, regando ou deitando água, como fazia Elizeu sobre as mãos de Elias; ou o sangue que era derramado em redor do altar (Ex 29:4; 30:20-21; Lv 4:7; 2 Rs 3:11);
· Em forma de banhos, o que dar a entender claramente que não se tratava de se deitar dentro d’água, mas, administrá-la com a finalidade de lavar-se, como o profeta Elizeu mandou Naaman fazer para ficar limpo da sua lepra (Lv 15:5, 13, 18; 16:26, 28; 17:15; 2 Rs 5:10, 13, 14.).
Com respeito aos banhos, geralmente, eram feitos pelo próprio batizando, a exemplo de Naamã, que recebeu ordem do profeta Eliseu para que se lavar sete vezes no rio Jordão; este se lavou mergulhando. Ninguém pode afirmar com certeza se o mergulho foi total ou parcial; só sabemos que a lepra era localizada em determinada parte do corpo e, que Naamã, gostaria que o profeta agisse apenas no local dela[6], inclusive passando a mão sobre a mesma, o que sem dúvida, o próprio Naamã o fez quando mergulhou no rio.
O ritual de purificação do leproso era feito pelo sacerdote, que o aspergia sete vezes; depois este deveria lavar as vestes e banhar o próprio corpo; é assim que a Bíblia afirma.[7] Aqueles banhos, podemos deduzir, sem perigo de pecarmos, que ficavam a cargo do indivíduo; ele poderia mergulhar totalmente, ou não; e, se quisesse poderia, apenas regar a água sobre si, desde que fosse águas corrente e com a fim de lavar-se, literalmente.
Águas corrente não significa, necessariamente, águas de rios; mas, água que poderia ser retirada de alguma fonte, ou reservatório, para regá-la sobre o corpo, isto é aspergi-la.[8]
Diferença entre os Batismos citados.
Batismo com água
O batismo de João era imperfeito, um símbolo da purificação que seria efetivamente realizada pelo sacrifício de Jesus. Conforme citado acima era uma das apresentações feitas pela Lei para seu us. É conveniente notar que as purificações dos judeus eram feitas com água viva, isto é, com água corrente. Quando não encontravam água em movimento, punham-na em movimento derramando-a ou aspergindo-a com força.[9] Para os rabis, "água parada representa a morte e a corrupção, e a água em movimento a vida e as influencias vivificantes do Espírito de Deus”. Não devemos no entanto criar uma doutrina sobre a forma e local do batismo como obrigatoriamente ser realizado em rios e com imersão.
De qualquer forma o batismo sempre foi associado a purificação. Era comum entre os judeus a prática de abluções com água. Leprosos curados eram purificados, pessoas de Israel nos vários estados de impureza litados na lei eram purificados com o lavar no derramamento de água sobre si, ou pela entrada nos locais de banho preparados para isso. Não eram definitivos como o batismo cristão como era também a circuncisão do Antigo Testamento.
Batismo com fogo
Ao contrário da associação quase natural que a teologia pentecostal faz em relação a fogo e Espírito Santo na Bíblia ela não é natural. A esmagadora maioria das citações sobre fogo nas Escrituras remete a juízo.[10] E aqui em Lucas também é assim. Muito menos há qualquer texto que corrobore com a ideia de um segundo batismo mais poderoso do que o primeiro trazendo bênçãos mais especiais. O batismo com fogo apontado em Lucas é para o juízo, a associação é clara com o verso 9 que trata da palha que é ajuntada para ser queimada. Trabalhadores usavam a pá para atirar grãos colhidos ao vento, deixando os grãos caírem diretamente no solo, e a palha voava para longe. E quando arrumavam a eira, a palha era queimada.
O batismo com o Espírito é para o trigo, ou seja, para aqueles que produziram, pela graça de Deus, frutos dignos de arrependimento. O trigo é recolhido no Seu celeiro em virtude de ser algo muito valioso, muito precioso. O batismo com fogo é para a palha, ou seja, para aquelas “árvores” que não produziram frutos, as quais serão cortadas e lançadas no fogo. Assim, a palha será separada do trigo, ou seja, os ímpios dos bons, e será queimada no fogo que nunca se apaga.
Batismo com Espírito
O batismo com o Espírito Santo foi instituído a partir de Jesus Cristo e do seu sacrifício.
“Batismo é uma marca do nosso cristianismo e o sinal pelo qual somos recebidos na sociedade da igreja, para que enxertados em Cristo sejamos contados entre seus filhos”[11]
“Batismo é um sacramento no qual o lavar com água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo significa e sela nossa união com Cristo, a participação das bênçãos do pacto da graça e a promessa de pertencermos ao Senhor”[12]
Vemos nas afirmações de Calvino e Hodge que o batismo instituído por Jesus vai muito além do batismo cerimonial do Antigo Testamento, embora de alguma forma apontasse para o que ocorreria no Novo Testamento, o novo batismo vai muito além do ato de purificação temporário, ao mesmo tempo que continua simbolizando essa purificação da impureza do pecado, é muito mais marcante e simbólico em relação a união em adoção como filhos ao Nosso Senhor Jesus Cristo conforme determinado por Deus Pai.
O batismo cristão testifica as duas coisas: A Remissão dos Pecados e O selo do Espírito Santo. Como já escrevemos acima não existe em todas as Escrituras qualquer texto que corrobore com um segundo batismo assim como não há uma segunda selagem dos cristãos ao longo de suas vidas. Os pecados são perdoados e ao mesmo tempo recebemos o Espírito Santo dentro de nós como selo definitivo e irrevogável da nossa união com o Pai.
[1] Malaquias 4:1
[2] Deuteronomio 18:15-19
[3] Davis, John. Novo Dicionário Bíblico.
Êxodo 29:4; 30:20-21
[4] Marcos 7:1-5
[5] Levítico 15; 16.26-28; 17:15; 22:4-6; Números 19:8)
[6] 2o Reis 5:10, 11 e 14
[7] Levítico 14:6-9
[8] Levítico 14:51- 52
[9] Levítico 14:5, 6, 51, 52; 15:13; Números 19:17
[10] Malaquias 3:2; 4:1;
[11] João Calvino, Institutas, Livro IV, cap XV, p1028
[12] Charles Hodge, Teologia Sistemática, ed Hagnos, São Paulo, 1a ed 2001
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