Antes de respondermos a pergunta vamos brevemente trazer um pouco da história da Escola Bíblica Dominical. Tudo indica que ela surgiu não exatamente com o propósito exclusivo de ensino bíblico. Talvez nem usasse essa terminologia. No final do século XVIII as condições de vida das crianças pobres na Inglaterra era dura e quase inevitavelmente as levavam a jornadas de trabalho de mais de 10 horas por dia sem dar-lhes oportunidade de alfabetização. Os domingos eram dias livres porém se atividades programadas. A história registra que na cidade de Gloucester, um jornalista cristão chamado Robert Raikes preocupado com a situação deu início a uma escola que funcionava aos domingos, alfabetizando as crianças usando a Bíblia, ensinando valores morais e cívicos. Conta-se que em cerca de uma década uma cidade que tinha alto índice de brigas e criminalidade se transformou numa cidade de cidadãos modelo. No Brasil a primeira EBD, aí já bem associada ao trabalho missionário da igreja. O casal, originalmente presbiterianos e depois congregacionais[1], Robert Kalley e Sarah Poulton Kalley em agosto de 1855 no Rio de Janeiro.
Indo então a pergunta tema: Qual a relevância da EBD?
Vamos tratar o assunto sob duas visões inquiridoras: Deveria ser? E Realmente tem sido?
Pensamos que ninguém vai afirmar com todas as letras como se diz que a EBD é desnecessária, embora muitos questionem a necessidade de estudo teológico mesmo que não o admitam. Frases como “a teologia mata a religião” ou que “a Igreja não precisa de teologia e, sim, de vida” são repetidas cada vez com mais frequência, contestamos essa ideia com outras perguntas: “como podemos conhecer a Deus sem estudar a revelação que Ele faz de Si mesmo?”, “como saber quem Ele é e o que Ele tem feito e faz, quem somos nós em relação a Ele, o que Ele requer de nós?” Alguns podem se apegar com a ideia de que o nosso íntimo receberá a revelação e a confirmação pela nossa experiência com o Espírito Santo. Já dizia o profeta Jeremias que “... enganoso é o coração ...”[2] além disso podemos ainda contrapor esse senso perguntando se “estamos nos pondo na posição dos apóstolos diretamente inspirados pelo Espírito?” ou ainda se o estudo teológico é desnecessário “para que Deus nos deixou as Escrituras?”. A única forma de validar se aquilo que estamos sentindo está em consonância com o Ser de Deus e com Sua vontade é examinando às Escrituras.[3]
Teologia não é uma palavra citada diretamente na Bíblia mas temos os termos equivalentes “didake”ou “didaskalia” que estão associados ao ensino se referindo tanto ao ato quanto ao conteúdo.[4] Teologia como didaskalia portanto é o conjunto de verdades extraídas dos ensinos bíblicos a respeito de Deus e de Sua obra, e que são apresentadas de modo sistemático, na forma de um corpo de doutrinas.
Mas por que muitos consideram irrelevantes o estudo teológico / doutrinário?
1. O cristianismo se baseia em fatos.
Sim, sem trocadilho o cristianismo desde a criação do mundo até a plenitude dos tempos aponta para fatos e principalmente para um FATO que foi o advento do Messias. E também é um fato que na vida de cada eleito existem fatos que marcam a regeneração e salvação de cada um.
a) O nascimento de Cristo;
b) Sua vida de obediência;
c) Sua morte expiatória;
d) Sua ressureição e ascenção aos Céus;
e) Sua segunda vinda.
Todos são fatos. Porém como sabemos que esses são “OS FATOS”? Qual o significado? Qual a importância? Quais as implicações? É a doutrina que lhes deu e dá sentido. Como saberíamos que o menino que nasceu em Belém era o Filho de Deus? Como saberíamos que sua morte seria eficaz para nossa salvação? Como viveríamos uma nova vida? Qual seria ela? Os fatos são explicados e interpretados pela doutrina. Esta não só informa o fato como também dá o seu significado, tornando o homem sábio e conhecedor da vontade de Deus.[5]
“A Encarnação é uma doutrina: nenhum olho viu o Filho de Deus descer dos céus e entrar no ventre da virgem; mas se isso não for um fato histórico também, nossa fé é vã e permanecemos ainda em nossos pecados”[6]
2. Cristianismo é vida.
Nos parece que mesmo de forma não declarada essa posição se enraíza mais em misticismo e emoções, tentando eliminar da religião o intelecto e a razão. Se religião é apenas vida dinâmica, sentimentos e experiências, então a doutrina deve ser estática e fria e portanto não seria cristã, o mote é “A letra mata, mas o espírito vivifica”[7], será que a mensagem bíblia é essa mesmo?
Um olhar mesmo que inicial sobre a Bíblia não nos leva a acreditar que essa premissa seja verdadeira. Não existe nas Escrituras nenhuma proeminência de vida sobre a doutrina quer temporal ou lógica. Se a doutrina se submete a prática de vida, logo não teríamos verdades absolutas e tudo deveria ser visto sob a óptica das experiências e fatos individuais. O cristianismo é vida porém é também razão e conhecimento. Foi a doutrina bíblica trabalhadas pelos reformadores e tão negligenciada pela Igreja que ao se refletir em suas vidas trouxe-a volta às origens e lhe recuperou a vida, no século XVI. A falta da verdadeira doutrina foi o que enfraqueceu a Igreja e a lançou num tradicionalismo vazio e pagão. Não existe qualquer tensão entre doutrina e vida. O conhecimento e aplicação correta da doutrina na vida do cristão é o produzirá verdadeira vida cristã frutuosa.
O conhecimento de Deus começa pela razão e através do conhecimento se espalha por todas as áreas do ser e se manifesta na vida que agrada e glorifica a Deus. A salvação vem pela fé mas não nos esqueçamos que a fé vem pelo ouvir a Palavra que é a espada que penetra lá no fundo da alma.[8]
Não nenhum antagonismo entre estudo e vida, como não há qualquer antagonismo entre Paulo e Tiago. Um vida frutífera real de adoração e glorificação a Deus só existe por quem o conhece, e só o conhece quem examina as Escrituras e ao mesmo tempo não terá qualquer valor um conhecimento sem a prática diária da vida cristão de acordo com esse conhecimento.
No próximo artigo vamos tratar mas da contemporaneidade das EBDs como as temos visto e que pode / deve ser feito ou não para que elas expressem sua relevância.
[1] Eles eram escoceses e originalmente fundaram uma igreja presbiteriana na ilha de Funchal, quando decidiram vir ao Brasil como não obtiveram apoio oficial da igreja fundaram aqui a Igreja congregacional.
[2] Jeremias 17:9-10
[3] Tiago 1:16; 1ª João 4:1
[4] Romanos 6:17;1ª Timóteo 6:3-4; 2ª Timóteo 4:3-4; Tito 1:2,9,
[5] 2ª Timóteo 3:15
[6] B.B. Warfield em Selected Shorter Writings, vol 2, p. 234
[7] 2ª Coríntios 3:4-6
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