“Ó profundidade!” — Um vislumbre da mente insondável de
Deus
Romanos 11:33-36
Romanos deve ser a porção mais
densa do Novo Testamento no âmbito doutrinário, revelando atributos de Deus de
forma cabal. Nos capítulos de 1 a 11, Paulo descreve em minuciosos detalhes e
com argumentos robustos o caráter do Deus altíssimo. Nos livros de Jó, Habacuque
e Jeremias, Deus mesmo se mostra como sendo de uma imensidão incompreensível ao
homem, os servos de Deus são confrontados de forma violenta quando questionam
os desígnios divinos. Paulo em Romanos vai desdobrando a forma como Deus conduz
a humanidade ao longo das eras, e como soberanamente põe e dispõe a história
para que seu decreto eterno seja cumprido. Ao final dessa porção mais densa e
doutrinária da epístola aos Romanos (capítulos 1 a 11), Paulo não conclui com
uma fórmula lógica ou com uma aplicação moralista, mas com um cântico de
exaltação, uma doxologia que tenta traduzir toda exuberância e majestade de
Deus.
Ele não encerra com respostas as perguntas feitas,
mas com extremo assombro.
Diante das maravilhas da
sabedoria e dos desígnios de Deus, sua alma se curva em reverência: “Ó
profundidade das riquezas, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!
Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos!”
(Rm 11:33).
Ele nos convida à adoração, mas
para além disso nos confronta com a imensurável distância entre a mente de
Deus e a mente humana. Tentamos entender Deus por categorias racionais, mas
Ele é infinitamente maior do que qualquer construção humana.
“Porque os meus pensamentos
não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o
Senhor. Assim como os céus são mais altos do que a terra, assim os meus
caminhos são mais altos do que os vossos caminhos” (Is 55:8-9).
A mente humana é limitada. Mesmo
os grandes teólogos, com toda a sua erudição, chegam a um ponto onde só resta o
silêncio e a reverência. João Calvino declarou com propriedade: “Não há
nada mais presunçoso do que medir Deus pela nossa própria razão.”[i]
Essa humildade diante do mistério é o que distingue a verdadeira teologia de
uma simples especulação filosófica.
C.S. Lewis atinge diretamente o ponto ao afirmar que “Se
Deus existe, então Ele deve ser incompreensivelmente maior do que nossa mente
finita consegue abarcar.”[ii]
Mais ainda, o apóstolo Paulo destaca que Deus está acima de Suas próprias determinações. Ele pergunta: “Quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?” (Rm 11:34). Ou seja, nem mesmo as ações divinas, como as promessas feitas a Israel ou o chamado dos gentios, podem ser vistas como imposições externas a Deus. Ele é soberano em tudo. Suas alianças são verdadeiras, mas Sua liberdade permanece inviolável.
“Ele faz segundo a sua
vontade... não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” Daniel
4:35
Essa realidade é inquietante para
a mente moderna do ser humano, nós buscamos controle e previsibilidade. Mas para
quem se humilha diante de Deus ela também é libertadora: o Deus que governa o
universo não é uma máquina previsível nem um ser preso a um manual. Ele é o
Senhor da história, que age segundo “o conselho da sua vontade”
(Ef 1:11), e não segundo pressões externas ou méritos humanos. Reforçamos
ainda, Deus é o Senhor absoluto de toda a história por toda eternidade, quer
compreendamos ou não, quer aceitemos ou não. Karl Barth escreve “Deus não é
condicionado por nada fora dele. Nem mesmo pelas Suas obras. Ele é sempre
livre.”[iii]
Deus determina, mas não é limitado por Suas determinações. Ele é o Legislador e
o Juiz (Tiago 4:12), mas não está subordinado à sua própria lei.
Tudo isso nos leva a considerar a
transcendentalidade de Deus. Ele não é apenas superior, mas totalmente
outro. Como expressou Rudolf Otto, Deus é o mysterium tremendum et
fascinans — um mistério que causa temor, mas que também nos atrai[iv].
Ele está acima da criação, acima do tempo, acima de toda lógica finita. Como
disse Agostinho: “Se o compreendeste, não é Deus.”[v]
Romanos 11:36 encerra esse hino
com uma afirmação de absoluta centralidade divina: “Porque dele, e por meio
dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!”
Essa frase resume a teologia do universo: tudo começa em Deus, tudo é
sustentado por Ele, e tudo existe para Sua glória.
Por esses dias estava comentando
isso a mesa, naquelas conversas em família. Essa verdade é aterrorizante para
alguns, inaceitável para outros, reconfortante para outros. Incomoda a psiquê
humana a ideia que para Deus tudo é feito e existe para Sua própria glória, não
sermos o alvo principal de Deus incomoda nosso orgulho e vaidade. Nossa própria
redenção existe única e exclusivamente para a própria glória do Senhor.
Diante disso, não nos resta
argumentar, mas adorar. Não somos chamados a entender tudo, mas a confiar. Em
vez de tentar domesticar Deus com nossos esquemas mentais, devemos nos ajoelhar
diante da Sua majestade. A verdadeira teologia termina onde começa a adoração.
E a adoração nasce quando reconhecemos que Deus é insondável, soberano e
transcendente — mas, ainda assim, Ele se revelou a nós em Cristo, o
mistério revelado para a nossa salvação.
A passagem
de Romanos 11:33-36 nos leva à humildade, à reverência e à adoração. Deus não é
apenas maior que nós — Ele é incomparável. A fé não é apenas uma
resposta ao que entendemos, mas também ao que adoramos sem compreender
completamente.
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