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Os Evangelhos - A questão da Vida Eterna (24)

 



Leia João 5:19-47

Esse discurso de Jesus vem em seguida a cura de um paralítico em Betesda. De certa forma é uma resposta a várias objeções feitas pelos religiosos da época, foi acusado de violar a lei sobre o sábado e blasfemar se considerando igual a Deus. No entanto sem recuar Jesus reafirma Sua divindade e Sua autoridade recebida do Pai. Vemos no texto que é enfatizada a união intrínseca entre Pai e Filho. A eleição incondicional é também pano de fundo. A afirmação proferida por Jesus causa de irritação das lideranças religiosas da época

A União entre o Pai e o Filho

No versículo 19, Jesus declara: "Em verdade, em verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de Si mesmo, se não somente aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que este faz, o Filho também semelhantemente o faz." Aqui, não há subordinação essencial do Filho ao Pai, mas uma perfeita harmonia e unidade na obra redentora. João Calvino, ao comentar este versículo, ressalta que Cristo não age de forma independente, mas de maneira inseparável ao Pai: "Cristo declara que Ele não tem um poder separado de Deus, mas que tudo o que faz está em conformidade com a vontade do Pai"[1].

A Soberania na Salvação

Nos versículos 21 e 24, Jesus ensina que Ele dá vida a quem Ele quer, um claro testemunho da doutrina reformada da eleição: "Pois, assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem quer”[2]. Esta verdade ecoa em Efésios 2:1-5, onde Paulo ensina que Deus vivifica os que estão mortos em seus delitos e pecados.

João 5:24 reforça a justificação pela fé: "Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não entra em juízo, mas passou da morte para a vida." Segundo Martinho Lutero, este versículo evidencia que a fé é um dom de Deus, concedido soberanamente para que o eleito creia e tenha vida eterna[3]

Cristo como Juiz e Fonte da Vida

Nos versículos 26-27, Jesus declara que recebeu do Pai a autoridade para julgar. O julgamento de Cristo não é arbitrário, mas em conformidade com a justiça divina. A base deste julgamento é a aceitação ou rejeição do próprio Cristo, conforme exposto em João 3:18: "Quem nele crê não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus."

João Calvino, ao comentar esse aspecto, enfatiza a glória de Cristo como mediador e juiz soberano: "Se a vida reside no Filho, segue-se que fora dEle não há salvação; e que, por conseguinte, os homens não devem buscar a vida em outro lugar"[4].

As Escrituras Testificam de Cristo

Jesus conclui Seu discurso repreendendo os judeus por não crerem nEle, mesmo tendo as Escrituras. Em João 5:39, Ele afirma: "Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim." Este versículo reforça a doutrina da suficiência da Escritura, o Sola Scriptura[5], essencial ao pensamento reformado.

O teólogo reformado Herman Bavinck destaca que "todas as Escrituras são cristocêntricas, apontando para Cristo como a consumação da revelação de Deus"[6]. Isso significa que o Antigo Testamento, longe de ser uma coleção independente de escritos, converge em Cristo como a revelação final e suficiente de Deus.

Esse trecho das Escrituras revela a glória de Cristo como Filho de Deus, Salvador soberano e Juiz eterno. A teologia reformada enxerga neste texto um testemunho claro da doutrina da eleição, da soberania de Deus na salvação e da centralidade de Cristo na revelação divina. A mensagem de Jesus desafia-nos a confiar inteiramente nEle para a vida eterna e a submeter-nos à Sua autoridade com fé e obediência. Que possamos, como ensina Paulo em Filipenses 2:10-11, confessar que Jesus Cristo é Senhor, para a glória de Deus Pai.



[1] CALVINO, João. Comentário sobre o Evangelho de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 115

[2] João 5:21

[3] LUTERO, Martinho. Comentários sobre João. São Leopoldo: Sinodal, 2005, p. 180.

[4] CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 384

[5] Sola Scriptura é um dos cinco pontos fundamentais do pensamento Protestante, os Cinco Solas, propostos no início do século XX pelos teólogos neo-ortodoxos Theorodore Engelder e Emil Brunner para sintetizar os ideais da Reforma.

[6] BAVINCK, Herman. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 322


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