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Sobre política, IPB, pastores e púlpitos.

 



 

Por esses dias tem rolado nas redes várias postagens sobre o uso do púlpito das igrejas para referendar um alinhamento político e até mesmo uma ou outra candidatura. Importante citar que pastores assumindo posições políticas e mesmo apoiando ostensivamente um candidato não tem nada de novo, talvez a grande diferença do momento atual para outros momentos é que antes via-se isso quase com exclusividade de  pastores alinhados com o espectro progressista mais a esquerda e agora vemos também pastores alinhados a direita se manifestando.

 

Antes de tratar do assunto reconheço ser ele bem espinhoso e com uma linha bastante tênue a separar o proselitismo político militante da defesa da cosmovisão e valores cristãos. O senso comum vai dizer que a igreja, seus pastores em seus púlpitos devem evitar totalmente qualquer coisa que se aproxime de política mas precisamos perguntar se e quando valores eminentemente cristãos estejam ameaçados e a liberdade de exercer a fé tolhida se a igreja e seus líderes devem permanecer igualmente quietos. Por outro lado há um consenso que homens não devem ser depositários de um confiança cega e total, mas isso nunca impediu ao longo da história da igreja, com bons e maus momentos é verdade, defender a manutenção ou a mudança de lideranças. Não foram poucos os movimentos de liberdade de povos que surgiram ou se construíram com bases religiosas cristãs.

 

Não proponho antes que me acusem disso que haja qualquer sombra de substituição da centralidade de Deus no culto, jamais, nunca. Estamos aqui falando da igreja como instituição tratar e indicar pontos que de alguma forma mostrem algum direcionamento nos momentos de campanha fora do culto.

 

Dentro dessa linha a IPB tem sido envolvida em questionamentos para as quais já ofertou respostas há décadas. A Igreja Presbiteriana crê na separação entre Igreja e Estado. O estado laico tem um de seus pilares justamente na defesa da Igreja Reformada da Escócia[1] e da Inglaterra contra a tirania dos reinados católicos.

 

A Confissão de Fé de Westminster, um dos símbolos de fé[2], expressão de sua teologia, diz que: “Os sínodos e concílios não devem discutir nem determinar coisa alguma que não seja eclesiástica; não devem imiscuir-se nos negócios civis do Estado, a não ser por humilde petição em casos extraordinários, ou por conselhos, em satisfação de consciência, se o magistrado civil os convidar a fazê-lo” (cap. 21.4).

 

A posição contrária ao Marxismo e sistemas semelhantes não é nada nova. é antiga na Igreja Presbiteriana do Brasil.

 

Em 1954 ela se posicionou assim: “SC-54-138 - Quanto à consulta do Presbitério do Botucatu sobre se um membro da IPB, com ideias francamente comunistas, pode tomar parte nos trabalhos da Igreja, como dirigir classe da Escola Dominical, etc., o SC resolve responder que há incompatibilidade entre o comunismo ateu e materialista e a doutrina bíblica e os símbolos de fé da IPB”.

 

Em 1956: “CE-56-096 [...] Em referência à atitude cristã quanto ao comunismo, persistimos em pregar a realidade do poder transformador do evangelho de Cristo, crendo que o comunismo é uma filosofia de vida contrária ao espírito e à doutrina evangélica.”

 

Portanto à luz das Escrituras a IPB tem uma posição bem antiga já em relação a ideologia comunista/socialista. Líderes da igreja tem por dever e compromisso assumido na sua ordenação orientar os fiéis a obedecerem essa orientação porque isso é bom diante de Deus.

 

Claro que isso é muito diferente de ceder o púlpito em cultos para autoridades. Erram pastores que cedem seus púlpitos a políticos, sejam de direita ou de esquerda. Da mesma forma cometem falha grave pastores que tentam obrigar ovelhas a votarem em determinado candidato, seja de qual partido for. A liberdade de consciência deve ser respeitada.

 

Todo cristão deve orar pelos seus governantes: “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito”[3]

 

Mas também é papel de todo cristão denunciar abusos das autoridades, e isso inclui ideologias contrárias aos valores cristãos tais como aborto, cerceamento de liberdades, exploração dos mais vulneráveis, roubo e corrupção, imoralidade.[4] O sofrimento e a perseguição devem ser encarados com serenidade pelo cristão, mas isso não pode impedi-lo de denunciar mesmo sob pena de recrudescerem as perseguições.

 

Talvez quem pensasse encontrar aqui uma afirmação definitiva saia meio frustrado, mas atente para essa frase:

 

É dever de todo cristão votar considerando o que cada candidato se aproxima dos valores cristãos, porém não deve por sua confiança irrevogavelmente em nenhum homem, pastores e líderes devem sim por sujeição à Palavra de Deus orientar seus fiéis nesse sentido. E a IPB como instituição deve coibir abusos e desvios.

 

Tenho outros textos onde trato da questão voto:

 

http://penso-e-creio.blogspot.com/2016/09/o-cristao-e-politica.html

http://penso-e-creio.blogspot.com/search?q=elei%C3%A7%C3%B5es

 

E essa é minha declaração de voto

 

http://penso-e-creio.blogspot.com/2018/09/minha-declaracao-de-voto.html

 

 

 



[1] Certamente o berço do Presbiterianismo.

[2] Símbolo de fé é um documento que expressa de forma sistemática a doutrina que a igreja professa como verdadeiramente extraídas das Escrituras. Na IPB são três, a já citada Confissão de fé de Westminster e seus Catecismos, Maior e menor.

[3] 1ª Timóteo 2.1-2

[4] Amós, João Batista, Elias, o homem de Deus frente a Jeroboão, Natã, MIcaías, e o próprio Jesus dinate de Herodes condenaram ações manifestadamente más.

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