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Os Evangelhos – Jesus, O logos de Deus. (7)



 

 

Leia João 1:1-34

 

Antes de entrarmos propriamente no texto vamos procurar contextualizar alguns aspectos em relação a Jesus, o Deus Filho.

 

Quem era Jesus antes da encarnação?

  

A primeira citação implícita sobre Jesus já está no ato da criação onde o LOGOS de Deus é o meio usado para criação de todas as coisas. Essa talvez seja uma questão de mais difícil compreensão e precisamos fazer ligação com João 1:1 que nos diz o LOGOS estava com Deus e o LOGOS era Deus. A compreensão plena do significado de Logos se perde bastante nas línguas mais modernas onde foram traduzidas por word em inglês e verbo ou Palavra em Português. Nenhuma delas consegue expressar bem o conceito do termo. Logos era uma palavra usada mesmo antes de Cristo na filosofia dos gregos com o sentido de expressão e ação do ser. Não era uma descrição do ser, mas a manifestação notável do próprio ser. Temos que ter em mente que as Escrituras como um todo mesmo que não usem o termos TRINDADE explicitamente, e mesmo que os judeus nos tempos vétero testamentários não absorvessem completamente o conceito de três pessoas subexistindo em uma ele está lá permeando toda a Bíblia. Sem querermos entrar profundamente nesse debate, na criação, em Melquisedeque, na batalha de Jacó, em todas as profecias, símbolos e tipos como Moisés. A presença de Jesus como existente se faz notar.

 

Outro conceito importantíssimo é o da geração eterna. Jesus não foi criado, foi gerado na eternidade a partir do Ser de Deus. Algo misterioso que não podemos explicar tampouco compreender completamente mas que é de fundamental importância para compreensão de quem é Jesus e qual o seu papel no decreto divino. A geração eterna do Filho implica na própria filiação e que Deus e Pai e Deus Filho são a mesma essência. A essência divina não é gerada, é compartilhada. Na geração eterna, o Pai comunica[1] a essência divina ao Filho; Pai e Filho possuem a mesma essência, sem mudança.

 

A geração do Filho não poderia acontecer em um momento no tempo, pois não seria então eterno, não sendo eterno não seria Deus. E mesmo Deus não seria Deus porque teria mudado ao longo do tempo. Eu sei que parece meio que o cachorro correndo atrás do rabo esse argumento, mas abstraia da compreensão humana. Os atributos de Deus são imutáveis, aliás esse é um de seus atributos, a imutabilidade, como Deus não muda,  Se o Pai se tornasse o Pai, ou o Filho se tornasse o Filho, então Deus não seria imutável (isto é, não varia). Como o Filho de Deus nunca muda, Sua geração deve ser uma geração eterna – não foi algo que aconteceu há muito tempo ou de uma vez por todas. É uma comunicação atemporal, sem lugar definido e imutável do Pai para o Filho.

 

A geração eterna também não implica divisão de Deus, como se a essência divina fosse dividida entre as três pessoas ou multiplicada de uma pessoa para outra. Cada pessoa possui a mesma essência divina e a plenitude da essência divina. A geração eterna também é um ato necessário, o que significa que sempre é e não poderia ser de outra maneira.

 

A segunda citação mais explícita de Jesus está no ato de Deus matar um cordeiro para fazer vestimentas que cobrissem a vergonha do pecado de Adão e Eva. Para em seguida trazer a primeira profecia[2] sobre o advento. As citações sobre o Messias prometido vão sendo reveladas progressivamente por todo antigo testamento até explodirem de uma forma maravilhosa em Isaías onde pela primeira vez Ele e seu ministério são descritos de forma sublime, apontando para sua humilhação ao mesmo tempo que aponta sua majestade antes e depois da plenitude dos tempos.

 

Não pretendemos fazer aqui uma lista exaustiva de citações que apontam para Jesus no Antigo Testamento mas vejam algumas:

 

a)    Descendência de Abrão - Gênesis 12:3; 18:18; 22:18;

b)   Isaque como tipo de Cristo - Gênesis 22

c)    Cordeiro Pascal – Êxodo12;

d)   O Deus conosco – Isaías 6 e 7;

e)    O servo do Senhor – Isaías 53;

f)     A linhagem de Davi - Ageu 2:6-9

g)    O Filho do Homem – Daniel 7

h)   Preparação do caminho – Malaquias 1:1

i)      O pastor do rebanho – Miquéias 5:3

j)     A descendência de Davi que trará justiça – Jeremias 23:5,6

 

Poderíamos estender por muito mais linhas nossas considerações, mas pensamos que já sejam bastante para depois desses parágrafos chegarmos a algumas afirmações diretas:

 

a)    Jesus é Deus;

b)   Jesus é eterno;

c)   Jesus tem todos os atributos divinos porque é em essência o mesmo Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito;

 

 A definição exata de Logos (Λόγος) não é de fácil compreensão para nós no mundo moderno. Por mais que o Português seja uma língua mais complexa do que as línguas anglo-saxônicas e germânicas por exemplo, ainda está muito aquém do grego nas suas nuances e variações. Os termos “palavra” e “verbo” usualmente usados para traduzir o termo grego não expressam em si nem de longe o conceito.

 

De uma forma esquemática DA Carson nos explica coisas que envolvem o Logos de Deus, todas as referencias abaixo são do Evangelho de João:

 

·      Pré-existente - 1.1,2; 17.5.

·      Nele está a vida - 1.4; 5.26.

·      Ele é a Luz da vida - 1.4; 8.12.

·      Se contrapõe às trevas - 1.5; 3.19.

·      Não pode ser vencida pelas trevas - 1.5; 12.35;

·      Luz que veio a mundo - 1.9; 3.19; 12.46.

·      Não foi recebido pelos seus - 1.11; 4.44.

·      Gerado pelo Espírito e não pela carne - 1.13; 3.6; 8.41,42.

·      Glorioso - 1.14; 12.41.

·      Unigênito de Deus - 1.14,18; 3.16.

·      A verdade - 1.17; 14.6.

·      O único que viu o Pai - 1.18; 6.46.

 

Existem diversas definições para o termo Λόγος  mas o que nos parece mais próximo daquilo que João queria manifestar é a que se refere como A Expressão Externa do Ser de Deus. Porém temos que ter me mente que não estamos aqui usando o termo expressão apenas como o mero sentido linguístico de transmitir uma mensagem proferida mas sim como uma expressão concreta do Ser íntimo de Deus, uma revelação profunda e marcante do próprio Deus habitando entre os homens, a execução de Sua palavra transformada em ação concreta e manifesta de Sua vontade. Essa Expressão ou Palavra de Deus está da mesma forma manifesta na:

 

·      Criação – Genesis n 1.3; SaImo 33.6;

·      Revelação - Jeremias 1.4; Isaías 9.8; Ezequiel 33.7; Amós 3.1,8; e

·      Libertação – SaImo 107.20; Isaías 55.1.

 

O conceito de Λόγος está ainda ligado a Sabedoria de Deus[3][1] sendo em essência uma auto expressão do próprio Deus. Quem sabe faremos um artigo mais aprofundado só sobre as implicações disso.

 

Passando pelo texto proposto do início do evangelho de joão temos inicialmente temos três afirmações contundentes:

 

1.     Jesus sempre existiu;

2.     Jesus estava com Deus;

3.     Jesus é Deus.

 

Poderíamos fazer um digressão de mais de um dezena de páginas sobre o tema do primeiro verso, mas nosso propósito não passa por esgotar o assunto mas entendemos que as seguintes afirmações compreendem de forma direta o João quis dizer: Ele sempre esteve com Deus e tudo que Deus criou foi feito por meio dele. Ao declarar que sem ele nada do que foi feito se fez, temos Jesus como ator ativo e fundamental em toda a criação.

 

Os versos 2 e 3 basicamente reafirmam o que está explicitado no primeiro verso. Nos versos 4 e 5 João nos traz um conceito complementar relativo a obra de Cristo encarnado.

 

Vida, Luz e Trevas são três temas que ele João apresenta como diretamente ligados a Jesus. A vida é trazida por Jesus para aqueles que andavam em trevas[4] e essa vida vem trazer luz as trevas que envolvem os homens.

 

“‘Vida’ e ‘luz’ são símbolos religiosos quase universais. No uso de João eles não são apoios sentimentais, mas formas de focalizar as excelências da ‘Palavra’: Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens. Muitos comentadores chamam a atenção para o paralelo formal em 5.26: “Pois, da mesma forma como o Pai tem vida em si mesmo, ele concedeu ao Filho ter vida em si mesmo”. O relacionamento entre Deus e a Palavra no Prólogo é semelhante ao relacionamento entre o Pai e o Filho no restante do evangelho. Ambos 1.4 e 5.26 insistem que a Palavra/Filho compartilha da vida de Deus, mas tem existência própria. Mais tarde, Jesus afirma que ele é ambos a luz do mundo (8.12; 9.5) e a vida (11.25; 14.6). Tanto a sabedoria como a Torá são geralmente associadas com vida e luz nas fontes judaicas; João as une a Cristo, a Palavra.”[5]

 

 O verso 5 traz ainda uma sutileza mas que é fundamental. Luz e Trevas não são forças antagônicas, trevas são a ausência da Luz. Num paralelo com a criação do mundo onde a ordem de Deus “Haja Luz” iluminou um as trevas que cobriam a face do abismo, aqui Jesus é apresentado como aquele que traz luz iluminando as trevas escuras da existência humana. João ao longo de seu evangelho nos apresenta o conceito de trevas como a expressão do mal.[6] E por essa razão a Luz é tão odiada, porque ela ilumina e mostra o mal na sua essência.[7] Essa ênfase na divindade de Jesus logo de início só encontramos em João, inclusive com a apresentação da pré-existência dele. Possivelmente, mas não com toda a certeza, João quando escreveu seu evangelho, o último a ser escrito, tinha como propósito rebater certas heresias que surgiam que ora separavam o Espírito da natureza humana de jesus ora negavam a divindade de Jesus.

 

Podemos ver essa afirmação sobre Luz a partir de três prismas:

 

A)    A verdadeira luz brilhou sobre todos os homens sem exceção antes de vir ao mundo (na encarnação), e continua a assim fazer, isso é o que chamam de revelação geral. Essa revelação geral torna os homens indesculpáveis diante de Deus.[8]  

B)    A Luz referida aqui está ligada ao contexto da encarnação, iluminando não a todos os homens sem distinção mas é duvidoso que João sempre elimine distinções entre a Palavra e o Espírito Santo, que, em qualquer caso, não foi ainda introduzido. Mais importante, há razões para pensar que a luz em João tenha uma função mais discriminadora.

C)    A terceira forma pode ser entendida a partir de uma ilustração. Imagine uma cidade com um único professor, nem todos os moradores da cidade são alunos dele, mas podemos afirmar que ele é O PROFESSOR da cidade toda. Cristo é a luz que Deus deu ao mundo, e, portanto, a luz para todo homem.

 

Essa luz que brilha sobre todos os homens divide a humanidade entre aqueles que odeiam a luz reagem como o mundo faz[9] fugindo para que suas obras não sejam expostas[10] outros recebem a revelação[11]  e testemunham que suas obras são feitas por meio de Deus[12].

 

A partir do sexto verso, a narrativa coincide com os sinóticos ao citar João Batista e seu ministério como precursor de Jesus. Já antecipa o final da história que irá contar.

 

1.     João Batista não era a Luz mas apontava para ela;

2.     A Luz que vem a Terra ilumina toda a humanidade aclarando as trevas;

3.     Jesus, o Logos de Deus, veio ao mundo e aqui viveu entre os homens;

4.     Ele atuou fundamentalmente na criação de tudo;

5.     O povo de Deus, Israel, não o recebeu;

6.     Ele recebe pessoas de todas as nacionalidades;

7.     A todos que nasceram do seu Sangue e de Deus e não da carne ou por vontade própria;

8.     Ele mesmo em sua glória por fim se revelou como unigênito filho de Deus.

 

 

“O propósito do testemunho de João Batista, embora, é claro, não seu resultado, era que todos os homens pudessem crer. João 1.35-37 provê um exemplo em que o testemunho de João Batista não foi só efetivo, mas particularmente frutífero em seu resultado. Assim, como o testemunho de João Batista é relacionado em todos os quatro evangelhos canônicos com o começo do ministério de Jesus, pode-se dizer que ele, como Abel, “embora esteja morto, por meio da fé ainda fala” (Hb 11.4). Todos que alguma vez chegaram à fé são, indiretamente, dependentes dessa proclamação da identidade e propósito salvador de Jesus Messias.”[13]

 

Como João insiste que a Palavra foi o agente da criação, pode-se pensar que agora, quando ele descreve aquela Palavra como vindo ao mundo, ele quer dizer nada mais que aquela Palavra invadiu a ordem criada que ela mesma formou.

 

Vamos considerar um pouco sobre o termo mundo que João utiliza. Alguns sustentam que a palavra kosmos tem implicações positivas algumas vezes.[14], outras vezes implicações neutras[15], onde mundo é simplesmente um grande lugar que pode conter uma grande quantidade de itens e ainda outras vezes implicações negativas.[16] Carson nos diz que “uma inspeção mais cuidadosa mostra que, embora um punhado de passagens preserve uma ênfase neutra, a vasta maioria decididamente é negativa.”

 

O “mundo” não é uma referência a criação como um todo mas trata aqui especificamente aos seres humanos[17], e a rebelião contra seu criador[18]. Portanto, quando João nos diz que Deus ama o mundo, isso é um testemunho do caráter de Deus (3.16) e está longe de ser um endosso do mundo. O amor de Deus deve ser admirado não porque o mundo é tão grande, mas porque o mundo é tão mau. O “mundo” no uso que João faz não compreende os salvos porque estes já não pertencem mais ao mundo.[19]

 

A principal essência, sem querer ser reducionista, nesse começo de João é que Deus se fez habitar entre nós demonstrando seu amor, iluminando o homem para que fossem separados aqueles que são da luz daqueles que são das trevas.

 

 

 



[1] Mais uma palavra em português que não transmite a essência do conceito de comunicação bíblico. Sugiro o estudo específico mais aprofundado sobre o tema, mas de uma maneira bem simplificada a comunicação vai além até da transferência sendo algo mais próximo de um compartilhamento dos atributos.

[2] Genesis 3:15

[3] Provérbios 8:22

[4] Isaías 9:2; Mateus 4:16

[5] Comentário do livro de João – DA Carson

[6] João 3.19; 8.12; 12.35,46; 1ª João 1.5,6; 2.8,9,11

[7] João 3:19,20

[8] Romanos 1:10; João 1:15

[9] 1:10

[10] 3.19-21

[11] 1.12,13

[12]  3.21

[13] Comentário de João de D A Carson

[14] “Deus tanto amou o mundo”, 3.16

[15] Aqui e também 21.24,25

[16] 1.10.

[17] 8.23; 9.39; 11.9; 18.36

[18] 1.10; 7.7; 14.17,22,27,30; 15.18,19; 16.8,20,33; 17.6,9,14

[19] 4:42; 15:19

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