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A Arte de ser mentiroso falando uma verdade II.




Tem um tempo, não muito grande, atrás que publiquei um post intitulado A Arte de ser mentiroso falando uma verdade onde eu abordava num aspecto mais cotidiano e ligado a tons da política nacional o fato que muitos usam argumentos intrinsecamente verdadeiros mas para defender falsas bandeiras.

Hoje volto ao tema, mas num enfoque mais afeito a questões da fé e da religiosidade e da aparente piedade.

Um dos maiores problemas em debates hoje em dia são as falsas bandeiras, ou como chamam também, os espantalhos. Junto com a projeção de nossas visões nos outros, somo limitados em nossos pensamentos e na forma de ver o mundo e projetamos isso nas outras pessoas para nos facilitar a projeção daquilo que já decidimos que os outros são.

O assunto é muito amplo, mas quero me ater mais fortemente a ideia de que podemos limitar o entendimento do Evangelho, do próprio Cristo a nossa visão acusando os outros de fazerem exatamente  isso, sendo que nós trabalhamos apenas baseados em nossos próprios conceitos e mais nada, e acusamos os outros de estarem presos a dogmas, que mesmo na nossa argumentação são apenas dogmas diferentes dos. Nossos. E claro que este tipo de posicionamento sempre vem acompanhado de uma visão autoindulgente que enxerga em nós mesmos um pietismo que lá no fundo depois de uma análise crítica não resiste ao crivo do orgulho pela própria humildade. Demonstrada sempre ao apontar o dedo para as falhas de outros ao tempo que relativiza as falhas quando lhe é interessante. Ou na transmutação da bobagem de dizer que a única falha é achar que os outros estão falhando.

Um bordão muito usado é o tal “Jesus é a chave hermenêutica”. O que teria de errado nessa frase? Quase nada a não ser uso que se dá a ela.

Jesus como chave hermenêutica significa que nossa leitura das Escrituras deve ter sempre em mente O EVANGELHO, ou seja cada texto bíblico de alguma forma aponta para a Revelação Máxima Divina, mesmo que essa revelação seja progressiva ao longo da Palavra. Cada ensino, cada doutrina e cada livro se relaciona com o Plano maior de Deus na redenção de Cristo.

Dito isto, o problema é usa-la para retirar da Bíblia aquilo que não entendemos como conveniente. A frase “Jesus não pregaria isso” sempre acompanhada de uma retirada de algo que possamos considerar incomodo. O uso desse tipo de recursos é herético. Os que o assim fazem não mais são do que os piores ímpios, porque usam da religiosidade, que em geral tanto renegam, para impingir uma religiosidade vazia sem compromisso com a verdade.

“Assim, uma constatação torna-se inegável: praticamente todos que advogam ter Jesus como chave hermenêutica são ímpios que leem a Escritura desconsiderando tudo aquilo que suas mentes carnais odeiam”.  (Yago Martins)

Em geral essas pessoas pregam o amor ao pecador como a única virtude do cristianismo, sem considerar que a Palavra nunca nos ensina, nem naquelas palavras em vermelho que dizem ser as palavras literais de Jesus, que Deus ama irrestritamente a humanidade, Sua criação, sem que haja contraposição ao ódio profundo que Deus tem pelo pecado.

Um outro problema é que teríamos que encontrar em Cristo alguma palavra que indicasse isso. Primeiramente ele disse textualmente que a Lei precisava ser cumprida (Mateus5:17). Não há em qualquer momento um referência de relativização da “Lei e dos Profetas”, muito pelo contrário. Não podemos usar o texto de Lucas 16 para defender essa tese, basta olhar o contexto.

Por outro lado o próprio Jesus afirmou que os apóstolos teriam toda a autoridade que ele tinha naquele momento de fundação da igreja.

Aqueles que dizem que as palavras de Jesus são mais importantes que as de Paulo, não entenderam as palavras de Jesus.

A não ser que consideremos os apóstolos e patriarcas da igreja como fraudes ou enormes tolos será difícil corroborar com tal forma de pensar.

Vejamos.
1)   A igreja está fundamentada na doutrina dos Apóstolos (Ef 2:20).
2)  Paulo condena aqueles que, dizendo ser apenas de Cristo, se recusavam a ouvir o que diziam os apóstolos (1 Co 1:10-17).
3)  Cristo prometeu aos seus apóstolos não apenas que o Espírito Santo os faria “lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14:26), mas também que o Espírito Santo “vos ensinará todas as coisas” (Jo 14:26) e “vos guiará a toda a verdade” (Jo 16:13).
4)  Os apóstolos receberam de Cristo, através do Espírito, mais daquilo que o Senhor desejou que soubéssemos. “Irmãos, quero que saibam que o evangelho por mim anunciado não é de origem humana. Não o recebi de pessoa alguma nem me foi ele ensinado; pelo contrário, eu o recebi de Jesus Cristo por revelação” (Gl 1:11-12).
5)  “O mandamento do Senhor e Salvador” foi “ensinado pelos vossos apóstolos” (2 Pe 3:2);
6)  Pedro equipara os escritos de Paulo ao Antigo Testamento, chamando-os de “Escritura” (2 Pe 3:16).
7)  “Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo” (1 Co 14.37).
8)  Paulo agradecia a Deus sem cessar pelos Tessalonicenses: “ao receberem de nossa parte a palavra de Deus, vocês a aceitaram não como palavra de homens, mas segundo verdadeiramente é, como palavra de Deus” (1 Ts 2:13).
9)  Paulo ensinava “não com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito” (1 Co 2:13).
10)               Paulo não poderia ser mais claro: “Cristo fala por meu intermédio” (2 Co 13:3).

Estariam essas pessoas acusando Paulo de ser uma fraude? Herege? Um louco?

Pode alguém perguntar se somos seguidores de Cristo ou de homens. Aliás, esses falsos piedosos, sempre se colocam como autoridades ao afirmar que são seguidores de Cristo apenas.

A pergunta que aqui cabe, é a que Cristo eles seguem, Porque todo que conhecemos de Cristo vem pela voz de outros homens. Mesmo as palavras atribuídas como diretamente ditas por Jesus, são nos trazidas pela voz de outros. O fato nunca admitido é que o que eles querem é selecionar o texto que se adequa a sua definição da prórpia religiosidade.

Não dá para ignorar que ou aceitamos o  Novo Testamento por completo, ou não tem Jesus, não tem cristianismo, não tem Bíblia, não tem fé e não tem salvação. Não teremos Testamento nenhum.

“Infelizmente, ainda há, em pleno século XXI, quem tente opor Jesus aos outros escritores bíblicos. Como disse Gresham Machen, tem-se a impressão que o liberal substitui a autoridade da Bíblia pela autoridade de Cristo. Tal homem diz que não pode aceitar o que ele considera um ensino imoral do Antigo Testamento ou um argumento sofisticado de Paulo, em oposição os simples e morais ensinos de Jesus. Assim, ele se considera o mais puro verdadeiro cristão, uma vez que, rejeitando todo o restante da Bíblia, ele só depende de Cristo.”[1]

“Quem se recusa a ouvir os apóstolos de Cristo recusa-se a ouvir o próprio Cristo e atrai sobre si seu descontentamento”[2]

Homens que tratam o que é revelado após Jesus como contaminado com o machismo, judaísmo, capitalismo, comunismo, ou qualquer outro ismo que seja simplesmente negam a Deus, ao Seu poder e a Sua Revelação.

Por fim em geral ao analisarmos lá no fundo, depois daquela aparente camada de pietismo o que vemos é a tentativa de engajar e enquadrar, agora sim, O VERDADEIRO EVANGELHO, em sua visão ideologizada de mundo, e a prontidão de através de autointitulados bordões se fazer a si mesmo o conhecedor destacado da verdade, só que não consegue esconder que é a sua verdade em particular escolhida de acordo com suas conveniências.









[1] MACHEN, Gresham. Cristianismo e Liberalismo. São Paulo, SP: Sheed Publicações, 2012, p. 43,68.
[2] EDWARDS, Thomas. A commentary on the first epistle to the Corinthians. London: Hodder & Stoughton, 1903, p. 384.

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