Tendo
ouvido por mais de uma vez frases no sentido que Deus se fez homem para poder
compreender as fraquezas humanas e assim poder ajudar, me pergunto se
essa afirmação faz sentido à luz da Bíblia ou não.
Possivelmente
essas afirmações venham a partir dos textos a seguir:
Visto, pois, que os filhos
têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente,
participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da
morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam
sujeitos à escravidão por toda a vida. Pois ele, evidentemente, não socorre
anjos, mas socorre a descendência de Abraão.
Por isso mesmo, convinha
que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser
misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer
propiciação pelos pecados do povo. Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo
sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados.
Hebreus
2:14-18
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de
Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a
nossa confissão.
Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas
fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas
sem pecado.
Hebreus
4:14-15
Será
no entanto que os textos acima nos dão base para afirmarmos que Deus precisava
conhecer o sofrimento humano para entender-nos? Será que era necessária a
encarnação do Verbo para que Deus compreende-se que precisávamos de ajuda?
Não
nos parece razoável à luz do restante da Palavra adotarmos essas premissas, se
não vejamos.
1. O texto fala de Cristo
A
primeira coisa que precisamos nos ater é que o texto de Hebreus 2 é um texto de
apresentação de Cristo, em especial esse extrato dos versos 14 a 18 é uma
apresentação da humanidade de Cristo.
No
contexto histórico grassava uma heresia gnóstica que defendia que Jesus nunca
tinha sido homem de verdade. O autor de Hebreus demonstra aqui a essência
humana do Jesus encarnado. E que Jesus teria que ter sido completamente humano
para que o sacrifício fosse válido, e para ser completamente homem ele teria
que experimentar
as dores. Note que grifamos experimentar e não conhecer como algo que ele já não
soubesse.
Essa
mesma humanidade de Cristo é enfatizada em outros locais: Mt 16.17; 1Co 15.50;
Gl 1.16; Ef 6.12; 2 Jo 7.
Nos
versos 17 e 18 de Hebreus 2 talvez pudéssemos nos levar mais na direção da
afirmação em questão, mas vejamos que ele continua de fato apresentando o caráter
de Cristo e não Sua necessidade de entendimento da dor do homem.
A
questão aqui é do entendimento correto da causa e do efeito. Jesus precisava
passar pelos sofrimentos e pelo sacrifício para assumisse a função de Sumo
Sacerdote se auto apresentando como sacrifício perfeito diante de Deus Pai com
isso promovendo a justificação de pecados, claro que dos seus eleitos, mas isso
é outro assunto.
Apenas
aquele que resistiu a todas as tentações (Hb 4:15; 5:2) é digno de oferecer a
si mesmo como o sacrifício exigido (Hb 9:4).
Somente
aquele que tinha sido tentado de todas as maneiras possíveis, como nós, podia
ser o misericordioso sumo sacerdote (4.15; 5.2). Somente aquele que tinha
reagido a cada tentação com obediência perfeita podia ser fiel sumo sacerdote,
sem pecado (4.15; 7.26) e digno de oferecer a si mesmo como sacrifício
imaculado (Hb 9.14). Ele foi o sumo sacrifício (Rm 3:25,26; 1 Tm 2:5).
Os
versos do capítulo 4 dão um brilhante fechamento a exortação bíblica de que podemos
confiar nos merecimentos Cristo e como Ele é o nosso Sumo sacerdote dessa forma
podemos nos achegar confiadamente a Deus sem receio de sermos consumidos (Hb
7:19; 10:19,22), tendo nossos pecados encobertos podemos então agradar a Deus
(Hb 12.28; 13:15,16) e podermos nos relacionar pessoalmente com Ele (Rm 5.1,2;
Ef 2.13-22; 1Pe 2.4-10).
Texto
maravilhoso que fala de justificação. O verso 15 do capítulo 4 é uma reafirmação
vívida do texto de Hebreus 2:17,18.
2. Deus é Onisciente
Num
outro aspecto, Deus é sabedor e conhecedor de tudo, inclusive das fraquezas e
dores humanas, independente de experimentá-las.
A
Bíblia nos diz diversos textos que Deus conhece o coração do homem (Rm. 8:27;
Jr,17:10; Sl. 44:21; At 1:24).
Olhando
isso a frase nos parece um equívoco ao condicionar à encarnação o conhecimento
de Deus sobre a necessidade humana. Já lá no Éden após a queda há uma clara
demonstração do conhecimento de Deus sobre a necessidade humana, primeiro quando
Deus mesmo realiza o primeiro sacrifício ao matar um cordeiro para vestir Adão
e Eva, encobrindo a nudez, e ao fazer a promessa da vinda do varão que
esmagaria a cabeça da serpente. (Gn 3:15; 21).
Portanto
não vemos qualquer base bíblica para afirmar que Deus precisava conhecer a
condição humana para tomar qualquer atitude, notemos que a própria condição
humana faz parte do decreto de Deus. Foi ele mesmo que disse a Adão que a
desobediência o levaria à morte, à corrupção e à depravação.
A
frase em questão denota no nosso entender um forte componente humanista e
retira de Deus parte de Sua divindade ao lhe impor um conceito de Deus meio
ausente que precisaria ser ensinado sobre as necessidades de Sua criação, e
assim negaríamos a providência divina como um dos atributos perfeitos de Deus (Jó
10:12; Mt 6:30-33; 1 Tm 6:17; Sl 78:19-22, 104:14-15, 27-30; 2 Co 9:8-10; 10:13).
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